Sunday, January 29, 2017

Explosão da Fragata D. Maria na Taipa





Explosão da Fragata D.  Maria junto da Fortaleza na Taipa encontra-se o seu memorial

A fragata D. Maria II que explodiu ao largo da Ilha da Taipa no dia 29 de Outubro de 1850. Foi no dia 29 de Outubro ocorreu uma violenta explosão no paiol da pólvora da fragata D. Maria II ao largo da Ilha da Taipa de que resultou a morte de 231 pessoas, entre as quais 188 elementos de sua guarnição. Foi o mais trágico acidente da História da Marinha e, muito provavelmente, as suas causas também estarão relacionadas com as motivações que levaram ao assassinato do governados Ferreira do Amaral e com a reacção à nova atitude dos portugueses em relação a Macau. Entretanto, passada a tensão entre as autoridades portuguesas e chinesas e com vida em Macau a normalizar-se, em Abril de 1851 a corveta D. João I largou para Xangai, Hong Kong e Sepultura dos mortos na explosão na ilha da Taipa.

Estamos na véspera da guerra do ópio (1839-1842). Os ingleses que haviam sido expulsos da China em 1839, passam a viver em Macau. Não tarda que em 26 de Janeiro de 1841, ocupem a Ilha de Hong Kong, situada no outro lado da foz do rio das Pérolas e que se desencadeie o processo dos tratados desiguais, iniciado com o tratado de Nanquim (1842) com os britânicos e continuado pelos de Whampoa (1844), com os franceses, Wanghia (1844), com os norte-americanos, e Aigun(1858),com os russos.A partir da instalação dos britânicos em Hong Kong, Macau deixa de ser o primeiro dos intermediários comerciais entre a China e o resto do mundo, ao mesmo tempo que o assoreamento das respectivas águas se agravava e tardava a introdução do esquema do porto franco que, à semelhança da nova colónia britânica, só veio a ser introduzido em 20 de Novembro de 1845. O estabelecimento dos britânicos em Hong Kong, numa altura em que habitavam Macau cerca de cinco mil dependentes da coroa portuguesa, para vinte mil chineses, vai ser fulgurante. 

Aliás em Dezembro de 1851 já aí estão instaladas cerca de 15 000 pessoas, número que, um quarto século depois já atinge mais de centena e meia, incluindo uma importante colónia de portugueses, aliás, maior que a residente em Macau.A instalação dos britânicos na outra margem do delta e o rugir do complexo de superioridade dos ocidentais face à derrotada multidão dos chineses vai acicatar o nosso desejo de copiarmos modelos imperiais alienígena e não tarda que o chicote soberania se desembainhe, não só contra a intervenção das autoridades chinesas, mas também contra o com unitarismo do multissecular autogoverno de Macau representado pelo Leal Senado que, apesar de tudo, havia resistido ao absolutismo, em nome do tradicionalismo e da capacidade de mobilização de apoios financeiros para o subsídio a actividades militares face a circunstâncias excepcionais de insegurança. Uma instituição que, logo em 2 de Março de 1844, era reduzida à dimensão de mera câmara municipal, na mesma altura em que surgia oficialmente a Província de Macau, Timor e Solor, num bloco que só vai ser quebrado em Outubro de1850.

Já no ano anterior se iniciara a ocupação da Ilha da Taipa pelo governador José Gregório Pegado, mas, nesta primeira extensão do nosso espaço territorial, o governador ainda utilizou os nossos métodos tradicionais, dado que previamente visitou o Vice-Rei de Cantão que prometeu fechar os olhos perante tal operação que decorreu quando Xangai era aberta ao comércio europeu.

A partir de 1846, quando Macau deixou de pagar foro de chão à China, o Estado Moderno chega a Macau através do reformismo de Ferreira do Amaral, o primeiro governador não dependente de Goa. Tomou posse em 21 de Abril de 1846 (fora nomeado em Dezembro do ano anterior) e, desde logo, tomou medidas drásticas: aplicou um decreto de 20 de Novembro de 1845 que declarava Macau porto franco; em seguida, estabeleceu um imposto predial e industrial, também aplicável aos chineses residentes, e determinou o registo ou cadastro dos barcos de transporte ou faitiões. Esta medida levou a uma revolta organizada dos chineses em 8 de Outubro de 1846. Foi o carácter destemido do
governador, à frente de pouco mais que meia centena de soldados que a jugulou, ao mesmo tempo que impediu o posterior boicote do comércio, ameaçando com uma repressão sangrenta.

Para além disso, obrigou o mandarim chinês a abandonar Macau, reduzindo a jurisdição especial dos chineses à existência de um Procurador da Cidade que, logo em 20 de Agosto de 1847, passa a depender do Governador, através da Secretaria do Governo, e não do Leal Senado, como até então. Apesar das imediatas queixas do Leal Senado, remetidas para Lisboa logo em Fevereiro de 1847, não tardou que a respectiva autonomia fosse comprimida.

Ao mesmo tempo, o governador modernizava a circulação no território, abrindo vias internas que cortavam a direito o espaço sem respeitarem os locais onde os chineses tinham as suas sepulturas, embora com a boa intenção de quebrar as muralhas que acantonavam a presença portuguesa na península. Finalmente, ocupou militarmente a ilha da Taipa. A 9 de Setembro de 1847 era içada aí pela primeira vez a bandeira portuguesa.

Segue-se o arrolamento de todos os chineses residentes no território (20 de Dezembro de 1848), bem como a extinção das próprias alfândegas chinesas (5 de Março de 1849), inevitável corolário do regime de porto franco, enquanto proíbe que os mandarins entrem 
em Macau tocando bátega como faziam quando entravam em terras chinesas 18 de Março de 1849. Não faltou sequer um conflito com os próprios britânicos, com incidentes por 
ocasião da procissão do Corpo de Deus de 17 de Julho de 1849, quando os súbditos de Londres trataram de aplicar o princípio da extraterritorialidade dos cidadãos sem causa,desrespeitando a autoridade portuguesa.

O governador acabou assassinado em 22 de Agosto de 1849 por sete chineses, perto das Portas do Cerco. Mais do que uma mera vingança pessoal, terá sido um assassinato político levado a cabo pela organização secreta chinesa da Sociedade dos Rios e dos Lagos, representante de um mais amplo movimento de resistência que procurava opor-se aos planos portugueses de alargamento do espaço territorial português às ilhas circundantes de Macau, desde a Taipa e Coloane, às ilhas da Lapa, D. João e Montanha, delineados a partir de 1844. Aliás, Ferreira do Amaral,o herói de Itaparica, obedecia a essa estratégia e tinha íntimos contactos com o governador britânico de Hong Kong Sir John Davis com quem conjugava acções.

Macau respondeu e no dia 25 de Agosto, passámos à ofensiva militar, com o tenente macaense Vicente Nicolau de Mesquita, à frente de três dezenas e meia de soldados, a conquistar o forte do Passaleão, em território chinês, registando-se assim o único confronto militar formal entre portugueses e chineses ao longo deste quatro séculos e meio de presença portuguesa nos mares e terras da China. Contudo, a movimentação militar acabou por ser contida e, em 16 de Setembro de 1849, o Vice-Rei de Cantão já oficiava ao Governo de Macau, informando ter sido preso e executado o assassino de Ferreira do Amaral. Muito simbolicamente, em 16 de Janeiro de 1850, eram recebidas a cabeça e a mão do governador.Só então o Governador pôde ter um funeral de Estado tendo os seus restos mortais sido transladados para Lisboa. Restava ao governo português vingar as afrontas sofridas. 

Para o efeito, foram enviadas para Macau a fragata D. Maria II e as corvetas Íris e D. João I, assim como um destacamento de tropas. Também de Goa veio um destacamento. Pretendia-se, com estes efectivos, a realização de um ataque punitivo a Cantão. Porém, os navios enviados acabaram por chegar em condições deploráveis, a necessitar reparações e as tropas prometidos pelo governo central nunca vieram.
Nesse mesmo ano de 1850, em 28 de Outubro, a mesma sociedade secreta que assassinara o governador levou a cabo a explosão da fragata Dona Maria II, estacionada no ancoradouro da Taipa, eliminando desta forma a possibilidade de um alargamente da influência portuguesa na região, através da via militar.A tragédia ocorreu após a execução de salvas (comemorava-se o aniversário do Rei). A fragata ficou desfeita pela explosão de trezentos barris de pólvora, tendo morrido cerca de 190 homens da guarnição (os números variam consoante as fontes). A corveta americana Marion, fundeada nas proximidades, escapou por pouco, tendo recebido sobre o convés uma chuva de sangue e fragmentos de carne. Acolheu, também, vários feridos, muitos deles mutilados e desfigurados, contorcendo-se em mortal agonia. De acordo com a versão dos sobreviventes, o desastre ter-se-á, provavelmente, ficado a dever a um acto de vingança do guarda do paiol de munições, punido por embriaguez e negligência (muitos tinham-no ouvido ameaçar deitar fogo ao paiol). Outra versão dá conta de um acto de sabotagem da parte dos chineses... os mesmos que assassinaram Ferreira do Amaral.


Na Taipa existe uma pequeno monumento e jardim que evoca a memória das vítimas da explosão da fragata D. Maria II ao largo da Ilha da Taipa (perto da actual Ponte de Sai Wan) no dia 29 de Outubro de 1850.Morreram 231 pessoas, entre as quais 188 elementos da guarnição (de um total de 224), incluindo o comandante J. de Assis e Silva, para além de 3 marinheiros franceses presos a bordo e 40 chineses das embarcações que estavam atracadas ao navio.
Da corveta norte-americana Marion, ancorada nas imediações, surgiram os primeiros socorros, mas a coragem destemida dos oficiais e marinheiros apenas serviu para recolher os restos mortais das vítimas.A explosão fez tremer o território e foi de tal intensidade que na zona da Praia Grande, a quase três quilómetros de distância, registaram-se estragos…
A fragata D. Maria II (em homenagem à rainha cujo nome próprio era Maria da Glória) começou por ser uma navio mercante baptizado com o nome “Ásia” e foi comprado por Portugal em Inglaterra em 1831. A transformação acorreu em Belle Isle em 1832 e o navio tornou-se assim na mais imponente fragata da marinha portuguesa do século XIX.
Tinha 42,52 metros de comprimentos, 10,42 metros de boca e 8,84 metros de pontal. Como armamento tinha 44 peças e lotação para uma guarnição de 324 homens.

Em 1832, integrou, como navio-chefe, uma expedição à Madeira, sob comando do Vice-almirante Sartorius. Depois foi incluída na expedição dos 7500 bravos do Mindelo e tomou parte nos dois bloqueios ao Tejo, integrada na Esquadra de Sartorius. Em 1833, após ter entrado no combate de 5 de Julho, no Cabo de S. Vicente, desempenhou várias comissões ao Norte e a Sines, tendo ocupado Setúbal, contra as guerrilhas Miguelistas. Desde 1833 até 1834, largou do reino para a Índia com escala por Moçambique, por três vezes, como nau de viagem. Em 1846, saiu para o bloqueio do Porto, como navio-chefe. Em 1849, largou para a Índia, como nau de viagem, com escala por Moçambique.
É daí que é enviada para Macau na sequência do assassinato do governador Ferreira do Amaral, a 22 de Agosto de 1849.

Para além da fragata D. Maria II foram ainda dadas ordens para enviar as corvetas Íris e D. João I, assim como um destacamento de tropas. O objectivo era reagir contra o governo de Cantão, mas os navios acabaram por chegar em condições deploráveis e muitas das tropas prometidas pelo governo de Lisboa nunca chegaram a fazer a viagem. A corveta Íris, estava no Brasil e pouco depois de iniciar viagem, voltou prata trás por falta de condições para navegar… Chegaria já muito mais tarde, tal como a D. João I, que viera de Goa.
Ao dobrar a primeira metade do século XIX, Portugal estava de rastos: passara por três invasões francesas e por uma guerra civil.

Ultrapassada a tensão entre as autoridades portuguesas e chinesas, aos poucos, a vida em Macau normalizou-se e em Abril de 1851 a corveta D. João I levantou âncora do delta do rio das Pérolas rumo a Hong Kong, Xangai e Whampoo para mostrar a bandeira portuguesa. Assim, no dia 29 de Outubro de 1850, quando a fragata D. Maria II se preparava para regressar a Goa, uma violenta explosão a bordo destruiu o navio naquele que é considera o mais trágico acidente da história da marinha portuguesa.
A tragédia ocorreu cerca das duas da tarde, pouco depois da execução de salvas (comemorava-se o aniversário do rei) por parte dos vários navios de guerra – “lindamente decorados e adornados” – que estavam ancorados ao largo da baía da Praia Grande no chamado ancoradouro da Taipa.

A corveta americana Marion, fundeada nas proximidades, escapou por pouco, tendo recebido sobre o convés uma chuva de sangue e fragmentos de carne. Acolheu, também, vários feridos, muitos deles mutilados e desfigurados. De acordo com a versão dos sobreviventes, o desastre ter-se-á, provavelmente, ficado a dever a um acto de vingança do guarda do paiol de munições, punido por embriaguez e negligência (muitos tinham-no ouvido ameaçar deitar fogo ao paiol). Outra versão dá conta de um acto de sabotagem por parte dos chineses que estiveram envolvidos no assassinato do governador Ferreira do Amaral.

No “Boletim do Governo da Província de Macao, Timor e Solor”, de 16 de Novembro de 1850 (sábado), o capitão-tenente, Izidoro F. Guimarães fez assim o relato (a quente) dos acontecimentos. O testemunho foi escrito a 2 de Novembro a bordo da corveta Íris.
“Assás penoso no sé o empenho do dever, que nos incumbe, de dar neste lugar a relação da horrorosa catastrophe que presenciamos no dia 29 do mez passado. Era aquelle um dia de festa nacional; e em que se celebrava o Natalício de Sua Magestade El Rey. Ao meio-dia havia salvado assim a fortaleza do Monte, como os navios de guerra aqui estacionados, que todos estavam lindamente decorados, e adornados das suas mais bilhantes gallas em honra do dia; mas bem depressam se converteram estas alegres e festivas gallas em triste e luctuoso pranto. Seria uma e meia da tarde quando um forte estampido, que balou quasi a cidade inteira, chamou a atenção de todos os seus habitantes ao porto da Taipa, donde elle procedera, e onde passao alguns instantes, e depois de dissipada a densa nuvem de fumo que se tinha levantado, viam-se apenas alguns restos de casco de um navio incendiado, no mesmo lugar em que momentos antes estava fundeada a fragata D. Maria II.
Vio-se então toda a realidade da desgraçada sorte deste infeliz navio: uma explosão terrível o tinha feito ir aos ares não deixando d’elle mais que alghuns tristes restos submergidos ou espalhados nas agoas em que pouco antes ele fluctuava com tanto brilho como segurança, para atestarem a sua completa destruição. Grande foi por certo a perda da fragata, que sendo uma navio de teca de apenas 40 annos, ainda estava muito forte e capaz de muito serviço; mas o que mais magoa e dor causou foi a perda e quasi toda a guarnição que, constando de 224 praças, apenas della restam até hoje 36; tendo perecido 188, (…) a maior parte officiaes ainda novos pelos e pelos seus talentos e reconhecida superior habilidade promettiam ser um dia o adorno ellustre da Marinha de Guerra Portuguesa (…)”.

PS: Logo em 1854 Francisco Maria Bordalo (1821-1861) – tão lamentavelmente esquecido… – escreveu um romance policial intitulado “Sansão na Vingança” que foi publicado na revista O Panorama: jornal literário e instructivo da sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis”, fundada e dirigida por Alexandre Herculano. O enredo, um dos primeiros do género em língua portuguesa,  gira em torno da explosão da Fragata D. Maria II. Francisco Maria Bordalo tinha um irmão que era oficial de marinha (Luiz Maria Bordalo) e que morreu precisamente na explosão da fragata. No livro tem o lugar de protagonista e dá pelo nome de Luís Osório.

Na ilha da Taipa, junto à fortaleza, encontra-se escrito em português e chinês um memorial às vítimas da explosão da fragata D. Maria II erecto em 1851. No entanto, todas as datas em ambas as línguas, que na pedra granítica foram gravadas, estavam erradas e após terem sido emendadas muito mais tarde, não se conseguem agora ler com nitidez.


O Forte da Ilha da Taipa foi construído em 1847 sob a direcção do 1º tenente da Marinha Pedro José da Silva Loureiro, por ordem do governador Ferreira do Amaral e a pedido da população local, sendo por ela custeado. 
Localizada na costa oeste da ilha e, primitivamente, junto às águas, a fortaleza controlava o tráfego marítimo entre a Taipa e a Ilha de D. João e defendia a população local contra os constantes ataques dos piratas. Era um forte costeiro que, actualmente, se encontra afastado do mar devido aos aterros. O pequeno edifício situado no interior da fortaleza serviu de residência de Verão dos governantes de Macau. Desde 1999, é a sede da Associação dos Escuteiros de Macau.
Em 1851, foi levantado um monumento em memória das vítimas da explosão da fragata D. Maria II, ocorrida no ano anterior (a 29 de Outubro). A fragata encontrava-se fundeada no ancoradouro da Taipa e a explosão foi devida ao incêndio do paiol de 300 barris de pólvora. O monumento encontra-se  situado no topo de uma escadaria, no pequeno jardim junto à fortaleza.